Todos os dias, quando acordo, eu dou uma espiada em volta, conformo-me com minha própria morte e penso: “se eu morrer hoje, morro feliz: embriagada de bons ideais e de boas pessoas...”. Procuro, depois desse fluxo de consciência, escrever mais; escrever quando vem a ideia para deixar, também, a ideia de quem fui... deixar um pedaço meu na terra.

            Tenho procurado vestir boas calcinhas e manter a depilação em dia. Se eu morrer hoje, que eu morra honrada. E tomara, e muito, que eu não esteja com o silicone tamanho “P” do camelô da Marechal. Essas intimidades são somente para o vestido de festa e para poucos desbravadores de mim e minha alma sedenta de sonhos.

            Se eu morrer hoje, quero muito choro. Choro sentido da dor da perda. Vou entender, olhando de longe, que fui ótima pessoa e vou me inchar de orgulho e ficarei feliz de não ter tido uma existência mórbida e feia. (Existência boba a de quem não é digna de lágrimas.) Quero flores e soluços e quero causos engraçados sobre minha pessoa...

            Quero roupa bonita, sapatos altos e poemas...

            Estou pronta para minha morte sem sofrimento e dor, digna de artista que tomba ao vento e nem sente, apenas pressente pela luz que fez a passagem inevitável...

            Todos os dias com sol são propícios à minha morte. Que eu me vá num dia assim, com cara de felicidade; e que eu deixe viúvo um grande amor! Morrer sem deixar um grande amor é indigno de uma mulher movida a sentimentos. Que ele não sofra muito. Só um pouquinho! Aquele pouco sufocante de quem nunca vai se esquecer de quem fui, e que me busque nas estrelas altas, e que possa encontrar uma moça boa para esquentar os seus pés em noites de frio, mas que seu coração ainda seja habitado pelo meu riso de alegria...que meu cheiro ronde pela casa e que minhas roupas continuem indo aos lugares mais vastos através de outras pessoas!

            Sim! Eu estou conformada com a perda de mim mesma para o outro plano!

            Deixo as minhas bolsas para quem goste delas e deixo meus livros para alguma estante quase vazia e deixo minhas fotos para o mundo...

            Quando eu me for, que tudo perca um pouquinho da cor por alguns segundos e, depois, que tudo retorne com brilho muito mais intenso, capaz de cativar até aqueles que pensam que a vida é cinza.

            Estou preparada para minha passagem. Somente para ela e para a de mais ninguém.

Fernanda Moreira
Professora de Língua portuguesa, psicopedagoga institucional e especialista em Literatura brasileira.
Instagram: @fernandamoreiraprof
E-mail: femoreirasilva@hotmail.com