Do bondinho ao Jererê
Por Antonio de Padua (Padinha)
Lembro-me bem de minha infância, na época em que ainda tinha o bom e arejado bonde que fazia a linha São Mateus-Centro. Era conduzido pelo falecido Sr. Geraldo que depois de aposentado pela central dos bondes, assumiu a cantina do também já falecido Colégio Nossa Senhora de Fátima. A diretora era a Dª. Helena. Mulher brava aquela! Quase tive minhas duas orelhas arrancadas por ela e pela professora Edila, responsável pelo antigo admissão, um intermediário que havia antes do primário e o ginasial (era assim que se chamavam o primeiro e o segundo grau). Hoje já mudou de nome também, mas não me vem agora esses nomes sem importância.
Tive também uma formação musical bem rígida no Conservatório Estadual de Música Haidê e França Americano que funcionava atrás da Igreja São Sebastião. Minha mestra de teoria era a professora Isabel, hoje diretora do Pro-Música. Passei pelo Colégio Euclides da Cunha (falecido também) e lá bati de frente com o diretor Saramelo (pior que a Dª. Helena e a Dª. Edila juntas). O cara me detestava, aliás, acho que todos os mestres e diretores me detestavam pelo jeito debochado que eu tinha. Não era de propósito, eu nasci assim. Que reclamassem com Deus porque com meus pais era inútil. Eles já tinham entregue a tarefa ao criador depois de muitas tentativas de me transformar em um filho exemplar.
Falta de exemplos não foi. Haaaa já ia me esquecendo: Fui sargento do Exército, promovido logo no primeiro ano em que servi a Pátria Amada depois de muita revolta com o corte de cabelo. Eu tinha isso na minha cabeça na época e olha que batiam na cintura. Eram longos e pretos. Enverguei o verde Oliva por sete anos e vazei quando tentaram me mandar para Ponta Porã-MS. Não nasci para viver no mato, mesmo tendo cara de índio e descendentes na família.
Minha fascinação na época era a música e uma planta chamada cannabis. Para quem não sabe: Cannabis sativa é uma planta herbácea da família das Canabiáceas (Cannabaceae), amplamente cultivada em muitas partes do mundo. As folhas são finamente recortadas em segmentos lineares; as flores, unissexuais e inconspícuas, têm pêlos granulosos que, nas femininas, segregam uma resina; o caule possui fibras industrialmente importantes, conhecidas como cânhamo; e a resina tem propriedades estupefacientes (sensações semelhantes às produzidas pelo ópio). Ou seja maconha.
No meu tempo era coisa boa, tipo, beleza pura sem mistura. Em São Mateus o ponto principal de compra era na esquina da Rua Dr. Romualdo com a São Mateus. Figuras marcadas e marginalizadas aterrisavam naquela esquina e eram vistos como verdadeiros criminosos. Fumar a erva maldita naquele tempo era um escândalo. Só tinha um tal de Zé Abelha (não confundir com o músico Zé Abelha) que fornecia pra galera da cidade toda e todo mundo adorava a figura. Até os mais idosos cumprimentavam com respeito e carinho o cara. Não me perguntem por quê. Ele não fazia mal a ninguém, só fumava, fornecia e ficava lá sempre rindo pra todo mundo. Aliás, rir era um sintoma do emaconhamento. Vinha junto com a larica (vontade de comer compulsivamente qualquer coisa). Falo de comida gente! Não... pera... Expressei mal. Não era vontade de comer gente e sim de saborear o famoso milho verde que era vendido em uma barraquinha que fazia ponto em frente ao bar Vitrô, local onde eu trabalhava como músico ou de comer um sanduíche do Saudáveis Sabores, lanchonete que funcionava até de manhã e era de propriedade do Jarrão.
Quando morei no Rio e São Paulo a música e a marijuana eram minhas companheiras inseparáveis. Meu apê tinha sempre um maconhellier (termo usado pelo Agamenon em uma de suas colunas). Tinha desde as mais fracas até as embebidas em mel. Aparelhagem de som, bateria e músicos animados completavam o clima descontraído e feliz. O som era insuportavelmente alto. Meu instrumento era o contrabaixo eletricamente ótimo e de boa qualidade. Não sei se era tão bom assim porque eu sempre fumava antes de tocar e tocava depois de fumar. Só sei que mandava bem porque era um dos contrabaixistas mais requisitados da época e inovava os métodos arcaicos de agredir o instrumento. Comigo ou o baixo falava ou eu o espancava até a morte.
Quando voltei para Juiz de Fora despenquei toda a técnica que aprendi fora e me dei bem na verdade. Montei uma banda de Rock e a batizei de “Sinal de Transe”. Era um nome criado pelo falecido músico “Boca”. Muita gente boa no meio musical se encantava com minha técnica musical. Posso citar o guitarrista Alexandre Schio, o baixista Dudu Lima, O médico e pianista Marcio Hallak o compositor e intérprete Pedro Mendes e muita gente que não me lembro os nomes, mesmo porque muitos dos meus neurônios bateram em retirada com tamanho fumacê. Cheguei a tocar com o falecido Celso Blues Boy e dividi palco com a conhecida banda 14 Bis, com Sandra de Sá e muitos que não importa agora citar os nomes!
A verdade é que tudo muda e nada é como antigamente. Perdeu a graça quando todo mundo passou a gostar de maconha. Daí passei a olhar o hábito como modismo e para largar de lado foi um pulo. Tinha outros tipos de droga no mercado. O que todos chamam hoje de bala recebia o nome carinhoso de bolinha. Era comum ouvir alguém dizendo: Fulano ficou doidão, tomou uma bolinha. Tinha um xarope que tiraram do mercado de tanto maluco pousando na farmácia São Mateus (Lawall) fingindo estar com tosse pra comprar o famoso Pambenil. Cocaína era coisa de rico. Mas eu não gostava de nada disso. Eu apenas fumava e não me importava com nada. Também ninguém pagava minhas contas e a vida era e é minha até hoje.
Larguei o hábito de fumar maconha assim como a música como profissão. Ficou também para traz a nostalgia que embalava aquele tempo de juventude e quase inocência perante o mal que as drogas atuais causam nos jovens de hoje em dia.
Hoje lido com drogas mais potentes como o stress, a droga da violência urbana, as contas altíssimas de água, luz e telefone, a droga da política descarada, a droga das pessoas de má fé, do capitalismo, das pessoas mentirosas, da falsidade e tantas outras mais que não caberiam neste texto.
E antes que alguém comece a me condenar pelo que vivi em minha juventude, vou esclarecer que não uso mais droga nenhuma, nem o cigarro e a cerveja da sexta-feira sobreviveram!
Virei careta, não sou mais usuário da maromba. Sou imparcial e neutro nesse assunto. Quem quiser usar que use, não precisa me chamar porque não vou. Penso igual ao Chorão que disse em uma de suas composições: “Sem neurose. Cada um sabe o dom, o tom e o tamanho da dose”.
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