Os Pássaros Estão Mudos!

Antonio de Padua (Padinha)

Estive lendo a uns dias atrás uma matéria falando sobre o alerta dos polos e me confundi entre as lembranças da minha infância e o medo do que restará do nosso planetinha azul para os nossos filhos e netos. Dei uma olhada no antigo jardim e notei que ele já não é mais o mesmo. Foi como se eu estivesse assistindo a um filme mudo.

Lembro-me bem da maneira descontrolada de acordar e correr para o jardim. Fazia isso todas as manhãs. Não era para ver as flores e sim para ficar olhando para os pássaros. Quando demorava me levantar, meu pai gritava lá de fora: “Acorda meu filho, vem ver os passarinhos”. Eu dava um salto da cama e ficava lá maravilhado com a quantidade deles e com o barulho delicioso que eles faziam. Eram muitos e de muitas espécies: sanhaço, tico-tico, tiziu, coleirinhos, canários e muitos sabiás. O que eu mais gostava era dos pardais. Eles dominavam pela quantidade. Fora do jardim, mais acima, o céu vivia cheio de andorinhas, muitas e muitas...

Atrás de minha casa, logo depois do muro, tinha uma área verde, só verde! Lá passei minha infância. Subindo em árvores, jogando bola no campinho, soltando papagaio. Era grande o espaço. Não era preciso pular o muro do vizinho para roubar goiaba, cana, maracujá, banana, amora. Nada disso! Tudo que eu queria tinha naquele lugar, todo mundo pegava quando quisesse e nunca acabava. Parecia o milagre da multiplicação.

Depois, quando virei adolescente e aborrecente, abriram uma rua logo atrás do muro e eu já não me importava muito com o que estava acontecendo. Construíram um prédio, depois outro prédio, transformaram o muro em uma muralha e a cena urbana foi tomando conta do meu paraíso.

Sobrou uma pequena área verde em frente a minha casa que logo deu lugar a dois prédios horríveis que até hoje me atormentam pelo fato de estarem na linha de visão entre minha casa e o morro do Cristo.

Pelas laterais que sobraram dava pra ver um pouco das árvores, mais para o lado da UFJF, mas hoje nem vale a pena olhar porque as árvores sumiram e com elas as vacas que ficavam pastando e os cavalos.

O que estamos fazendo com nosso planeta? O que nós estamos fazendo? Digo nós porque não me excluo dos homens comuns urbanizados. É comum o autor de um texto criticar terceiros e se eximir de toda e qualquer culpa, como se fosse um deus. Eu também contribuo para a destruição da camada de ozônio, tenho CPF, carteira de identidade, sou um ser humano urbano. Tenho minha parcela de culpa. Talvez culpinha, um pecadinho atoa, mas de pecadinho em pecadinho, juntando-se todos os habitantes da terra, o pecado torna-se um crime hediondo!

Apesar de uma conscientização ecológica mais presente nos meios de comunicação, o mundo está cada vez mais carente em áreas verdes. Michael Rosenzweig escreveu em seu livro Win-win ecology que o conservacionismo tradicional já não é suficiente, visto que humanos ocuparam boa parte da Terra e não pretendem desocupá-la. Claro que não. Não temos pra onde ir. Isso é óbvio!

Na verdade não sei bem a solução deste grave problema, mas sei que os prédios afastaram os pássaros do meu jardim.

Longe da minha casa, mais precisamente na Noruega, os pesquisadores que estão por lá estudando os motivos do descongelamento das geleiras, consequência do aquecimento global, fizeram uma piada extremamente infeliz, quando utilizaram em seus copos, gelo recolhido de pequenos icebergs desprendidos da grande geleira, dizendo que adoravam tomar uísque de 12 anos com gelo de 1000 anos. Enquanto isso a previsão é de que a calota gelada do oceano Ártico deve desaparecer totalmente no verão a partir de 2060.

Enquanto ficamos esperando os pardais reaparecerem a FUNAI cita a ampliação duvidosa das regiões de Mato Grosso ocupadas pelas etnias caiabi, xavante e chiquitano e insiste em proteger os índios mesmo onde eles nem sequer existem, além de transformar em indígenas aqueles que não o são; Jorge Viana, que governou o Acre por oito anos, teve em seu governo que ele mesmo chamou de “Governo da Floresta” o índice de 995 quilômetros quadrados de floresta devastada. Ele disputou com José Sarney a superintendência da Sudam e a superintendência para o desenvolvimento da Amazônia. Permitiram a destruição da Mata Atlântica, estão permitindo que tomem de nós a Floresta Amazônia e continuam disputando a direção de órgãos que deveriam ser dirigidos por pessoas sérias e envolvidas com as questões ambientais.

Enquanto olhamos para o céu e não vemos mais as andorinhas, o mundo continua a ser deteriorado por nossa raça.

Minha mãe, quando viva, no final de seus dias virou praticamente uma criança. Mais ou menos a uma semana de sua partida desse plano material, levei-a ao jardim. Ela apontou o dedo para as flores e disse “os passarinhos sumiram”. Para ela o tempo ainda não tinha passado e para mim estava passando. Pensei rápido e respondi meio sem graça: É mãe... Os passarinhos estão assustados e mudos!

Continuam até hoje e talvez eu nunca mais os veja pra poder acordar e agradecer a Deus pela visita deles em minhas manhãs.

Espero que meus filhos e netos possam acordar e agradecer por ainda poderem respirar sem ter de usar uma máscara antitóxica.

Espero que daqui a 50 anos o céu continue azul e que a lua ainda esteja prateando a noite. Para que meus filhos possam ter a certeza de que a Terra em que os pais deles viveram na infância era linda e que existiam pardais anunciando que o dia estava lindo e que eles estavam lá cantando para que nossas vidas fossem mais belas e nossos corações mais leves.

Antonio de Padua (Padinha) - Fotógrafo, diretor do site O Click e colunista nas horas vagas! :-)